sexta-feira, 2 de setembro de 2011

AVC é um mal que mata uma pessoa a cada 12 segundos no mundo


Num dia, uma pessoa normal, ativa, saudável. No outro, alguém dependente, incapacitado de falar, andar e ser, como sempre foi, autossuficiente. As transformações na vida daqueles que sobrevivem a um acidente vascular encefálico (AVE), mais popularmente conhecido como acidente vascular cerebral (AVC), são drásticas. Refletem-se em toda a família. A prevenção, como sempre, é o melhor caminho, mas o problema — que pode se manifestar na forma hemorrágica ou isquêmica (veja quadro) — ainda mata uma pessoa a cada 12 segundos no mundo e uma a cada cinco minutos no Brasil.
Esta semana, a forma hemorrágica do AVE atingiu o técnico do Vasco da Gama, Ricardo Gomes, 46 anos. Houve um rompimento de um dos vasos sanguíneos do cérebro, causando uma hemorragia. Nesses casos, as sequelas, como dificuldades motoras ou na fala, se dão de acordo com a região afetada, que pode ser em uma das áreas que compõem o encéfalo — cérebro, cerebelo e tronco. O rápido socorro ao técnico foi fundamental para a possibilidade de controle do quadro. Gomes está sedado, em coma induzido. Esse tipo de rompimento de vasos representa um sexto dos casos de AVE em geral.Fatores genéticos, idade, pressão alta, diabetes, colesterol alto, obesidade, sedentarismo e tabagismo aumentam as chances de vir a ter a doença. Só o cigarro eleva os riscos em seis vezes. Ainda não se sabe a causa do acidente vascular do ex-jogador, mas ele é hipertenso e fazia controle com medicamentos. Se o abandono do cigarro é um caminho para se evitar um AVC, a arritmia cardíaca é mais difícil de ser evitada. A mais comum delas, a fibrilação atrial, cria um ambiente favorável ao surgimento de coágulos dentro do coração. Isso ocorre porque o sangue não circula como deveria e, ao ficar parado, endurece. Esses coágulos saem do coração e podem chegar ao cérebro, entupir um vaso sanguíneo e provocar um acidente vascular. A fibrilação está presente em um terço dos pacientes com AVC maiores de 60 anos. Segundo o neurologista vascular responsável pelo ambulatório de AVC da Escola Paulista de Medicina (Unifesp), Alexandre Pieri, os episódios originários da fibrilação atrial são mais graves e com maior chance de recorrência. “Quando o AVC é originado por fibrilação atrial, 75% das vítimas ficam severamente dependentes de cuidados de terceiros, e o custo do tratamento é três vezes maior. Por incrível que possa parecer, muitos parentes de vítimas, ao serem entrevistados, revelaram que achariam melhor e menos sofrido se a pessoa tivesse morrido”, conta. O derrame é responsável por 40% das aposentadorias precoces no país.De acordo com Dalmo Moreira, chefe da Seção Médica de Eletrofisiologia e Arritmia Cardíaca do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia e professor da Universidade de São Paulo (USP), há 1,5 milhão de pessoas diagnosticadas com fibrilação atrial no Brasil. Além disso, cerca de 25% dos pacientes não sentem nada e muitos ainda não procuraram um especialista. Entre os sintomas mais comuns da fibrilação atrial estão palpitação, falta de ar, dor no peito, fadiga, desmaio súbito e tontura. “O que pode ser feito em termos de diagnóstico mais simples, para checar se o paciente tem a fibrilação, é um eletrocardiograma”, diz o cardiologista Ricardo Pavanello, supervisor de cardiologia clínica do Hospital do Coração (Hcor), de São Paulo. Segundo ele, um coágulo (trombo) por fibrilação atrial ocorre quando o sangue não é ejetado corretamente do coração. “Esse descompasso ocorre no átrio (cavidade do coração que recebe o sangue), que normalmente tem movimentos contínuos. Quando isso não ocorre, o trombo pode ser formado e ficar ali mesmo ou nas auriculetas, que formam o átrio. A tendência é o coágulo ir para o cérebro, mas pode ir também para um dedo ou uma perna”, acrescenta Pavanello. AnticoagulantesO tratamento preventivo se dá com remédios anticoagulantes. A terapia padrão usada atualmente é à base de varfarina, droga lançada há 50 anos. Embora seja até agora um dos tratamentos mais eficazes e aplicados, apresenta limitações. “O paciente não pode comer alimentos verde-escuros, há interações com vários medicamentos (alguns inibindo e outros potencializando seu efeito), demanda rigoroso monitoramento cardíaco, às vezes a cada três dias, e até da dosagem, pois a eficácia do medicamento num mesmo organismo varia a cada dia”, explica Dalmo Moreira. Por essas razões, muitas pessoas não seguem o tratamento indicado pelo médico.Cientes dessas limitações, laboratórios têm investido em pesquisas para colocar no mercado novas substâncias, com a proposta de ser mais eficientes. Exemplos disso são o etexilato de dabigatrana, desenvolvido pelo laboratório Boehringer Ingelheim, e a rivaroxabana, da Bayer Health Care Pharmaceuticals. Esses princípios ativos vinham sendo usados para combater a formação de coágulos depois de o paciente ser submetido a cirurgias de joelho e quadril e, após muitos estudos, foi comprovada sua atuação também para os casos de trombos gerados pela fibrilação atrial. “Viemos do nada para a eparina; depois, saímos dos medicamentos intravenosos para os subcutâneos; do paciente internado para a prevenção. Então, temos de avaliar o quão positivos são os novos tratamentos e quão rápido eles podem inibir uma trombose e um AVC”, ponderou o médico Henri Bounameaux, da Faculdade de Medicina de Genebra, na Suíça, durante encontro de especialistas em trombose, ocorrido em junho, em Barcelona. ComprovaçõesOs laboratórios fazem testes em vários países, com pacientes atendidos em centros de pesquisas conhecidos. No caso da rivaroxabana, as análises foram aplicadas a mais de 14 mil pacientes em 1,1 mil centros de pesquisa de 45 países e o resultado atingiu o objetivo de eficácia para a prevenção de AVC. O desempenho da rivaroxabana, na dose de 20 miligramas uma vez ao dia, foi superior ao da terapia padrão (varfarina): com a dose ajustada em pacientes portadores de fibrilação atrial, apresentou 21% de diminuição do risco de ocorrência de um AVC e de embolia sistêmica. No Brasil, nos Estados Unidos e na Europa, a rivaroxabana já é usada para evitar trombose venosa profunda nos casos de cirurgias de quadril e joelho; agora, ela está em fase de autorização para o tratamento preventivo do AVC no Brasil, o que deve ser liberado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em breve.No caso da dabigatrana, sua eficácia foi comprovada em um estudo feito em 44 países, envolvendo mais de 18 mil pacientes com fibrilação atrial sob risco de AVC. Eles receberam doses fixas de dabigatrana duas vezes ao dia ou, de forma não cega, varfarina em doses ajustadas para não permitir a coagulação. O grupo com dabigatrana teve os riscos de AVC e embolia sistêmica reduzidos em 35% e a possibilidade de um sangramento potencialmente fatal dentro da cabeça (tipo mais mortal) diminui 70%. A substância da Boehringer foi aprovada pela Anvisa nas dosagens de 110 e 150 miligramas. O medicamento já está disponível nas farmácias, a um custo mensal de cerca de R$ 170. O SUS ainda não fornece o medicamento.Falta informaçãoUm dos dados que alarmam os especialistas é a falta de informação entre a população e entre médicos sobre a fibrilação atrial e também os riscos do acidente vascular cerebral. “Entre os pacientes diagnosticados com fibrilação atrial, apenas dois tomam anticoagulantes. Os demais não usam ou não têm diagnóstico, ou o médico diagnosticou mas não sabe tratar. Somam-se a esses casos aquelas pessoas que simplesmente não têm acesso à informação. Por isso, acredito que deva haver um programa de educação continuada para os especialistas sobre doenças coronárias e também campanhas para a população de maneira geral”, acrescenta o cardiologista Ricardo Pavanello, do Hcor. Na opinião do neurologista do Instituto de Reabilitação Lucy Montoro, da USP, Ayrton Roberto Massaro, o Brasil tem uma população que está envelhecendo e, por isso, o governo deveria adotar campanhas preventivas. “O Ministério da Saúde começa a pensar nas doenças dos idosos, nos fatores de risco, e a atuar mais preventivamente. Tratar de coração é falar em prevenção. A população quer viver mais, quer ter mais qualidade de vida.”


fonte: DNonline

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